quinta-feira, 31 de julho de 2008

Mar sem fim -Capítulo III

       Isabel esquecendo um pouco toda a situação na qual se encontravam, correu em direcção a Maria e deu-lhe um abraço. Maria não pode deixar de sorrir, afinal estava grávida do único homem que amara e que julgava ser, também, o único homem que amaria em toda a sua vida.
       A noite chegou, Maria permanecia em casa de Isabel, era mais fácil suportarem toda a angústia e sofrimento juntas, para além de que seria mais fácil para os homens do porto que vinham trazer notícias. Durante todo o dia foram poucas as palavras trocadas entre ambas, eram desnecessárias. Cada uma com a sua dor, cada uma com as suas preocupações, cada uma com os seus medos, mas com uma vontade maior que o mundo de ver regressar os seus homens sãs e salvos. Seria pedir muito?
       Era perto da meia-noite e as duas mulheres continuavam sem qualquer notícia ou sinal de Manuel e Pedro. Apesar da insistência Maria recusou o convite de Isabel para lá passar a noite, preferindo por sua vez descansar em sua casa.
       Mal abriu a porta reconheceu o cheiro de Manuel e as suas lágrimas voltaram a ganhar vida, vagueava na sua própria casa, apurava todos os sentidos para que sentisse a presença de Manuel em cada passo que dava. Rendida à impotência de trazer de volta o seu marido, deitou o seu corpo na cama, a mesma da qual se tinha levantado temendo o que o dia, que agora terminava, lhe reservava. Questionava-se sobre o paradeiro de Manuel, sobre o seu estado físico e psíquico, sobre os seus pensamentos.
       Manuel era para Maria, simplesmente, a pessoa mais importante do mundo, a pessoa em quem mais confiava e a única capaz de a fazer feliz. Agora que estava grávida, e sentia ser de um rapaz tal como Manuel sempre desejara para o sexo do primeiro filho, não conseguia entender o porquê daquele episódio, ainda para mais Maria era uma cristã muito devota pelo que instintivamente atribuía justificações para todas as tragédias que ocorrem, assim como, para todos os momentos de grande alegria e felicidade. Este momento era uma excepção, não conseguia encontrar qualquer justificação, nem, por ventura, um sinal que a guia-se até ao seu encontro. Embalada pelos seus pensamentos Maria acabara por adormecer.
       Nessa noite sonhou com Manuel e com os jantares surpresa que ele lhe preparava na Casa da Praia. Eram raros os dias que Manuel chegava a casa primeiro que Maria. Quando ela abria a porta de casa já ele estava sentado no sofá à sua espera, era o tempo de Maria tomar um banho e vestir um dos vestidos que sabia que Manuel mais gostava. O verde era sem dúvida o seu preferido, dizia que era o contraste perfeito para o tom moreno da pele de Maria. Seguiam, então, rumo à Casa da Praia onde depois de jantarem algo previamente preparado por Manuel, e que surpreendia sempre Maria, perdiam-se no corpo um do outro. Cada um conhecia o corpo do outro melhor do que o seu próprio corpo.
       Tinha sido numa dessas noites que Manuel pedira Maria em casamento, na verdade todos os momentos importantes na história de amor que protagonizavam tinham sido anunciados e festejados na Casa da Praia, por isso, Maria tinha já planeado ser lá onde daria a conhecer a sua gravidez. Sabia que Manuel ficaria radiante, sempre sonhara ser pai e sabia que via em si a mulher ideal para ser mãe dos seus filhos. O anúncio da gravidez, sobretudo do primeiro filho, é muito esperado por uma mulher, tanto como o dia do pedido de casamento e o próprio dia da cerimónia, mas agora Maria achava que tudo isso era secundário e insignificante, só queria abraçar Manuel.
       Já tinha amanhecido mas o peso da angústia que Maria sentia roubava-lhe as forças para se levantar e encarar um novo dia sem Manuel, no entanto, sabia que tinha que se alimentar não por si mas pelo filho que esperava. Quando finalmente teve coragem para tal, na porta de sua casa fizeram-se suar toques tão fortes que seriam capazes de a deitar abaixo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Mar sem fim - Capítulo II

Após alguns segundos de espera Maria foi recebida pela irmã de Isabel, pormenor insignificante caso se tratasse de um outro dia, mas naquela manhã nada parecia ocorrer ao acaso, pelo contrário era como se tudo se conjugasse para o anúncio de algo que Maria temia saber. Depressa tentou disfarçar os pensamentos que lhe surgiam a uma velocidade vertiginosa com um simpático cumprimento.
- Entra, Maria, calculo que queiras falar com a Isabel, está no quarto.
Maria esboçou um sorriso forçado e quase que guiada por uma força divina entrou no quarto de Isabel, antecedendo esta entrada com dois toques receosos mas severos na porta entreaberta. Isabel estava sentada no fim da cama de casal, com uma fotografia sua e de Pedro no colo. Sem levantar o olhar, adivinhando a quem pertencia a sombra que caíra no chão, Isabel disse:
- Já fui a tua casa, já fui até à praia mas não te encontrei em parte alguma, a quem perguntei também desconhecia o teu paradeiro.
Maria deixou-se ficar à porta do quarto de Isabel e Pedro quase petrificada. Ouvia a voz de Isabel como se revivesse algum episódio passado, como se adivinhasse as palavras que esta proferia, uma a uma. Sem que Maria conseguisse justificar a sua ausência ou questionar fosse o que fosse, Isabel prosseguiu.
- O António, que trabalha no porto, veio avisar-nos que a estação perdeu o contacto com o barco dos nossos homens…-Isabel parecia não ter forças para continuar – Ele recusou-se a confirmar, mas a rádio já lançou um alerta para que ninguém se aventure no mar, parece que se aproxima uma grande tempestade, como há muito não se vê.
Maria dando passos muito lentos como se calculados, ao chegar perto de Isabel deixou que as suas pernas perdessem a força, ficando igualmente sentada. Cobrindo o rosto com as duas mãos e sem oferecer qualquer resistência deixou que todas as suas lágrimas se libertassem dos pequenos olhos cor de mel que possuía e que desde sempre encantaram Manuel.
- Não pode ser possível, não pode…- Foram as palavras que suaram , vencendo a barreira das mãos de Maria, que devido à pressão que exerciam sobre o seu rosto tinham uma coloração quase avermelhada.
- Tem calma, Maria. Eles devem estar bem, ambas sabemos que praticamente nasceram no mar. Saberão reconhecer os sinais do mar e em breve irão regressar. – Disse Isabel, que apesar do próprio sofrimento sentiu no choro de Maria uma angústia diferente.
Maria levantou-se e dirigiu-se à única janela existente naquele quarto, sem, no entanto, conseguir parar de chorar. Isabel não a seguiu, esperava ouvir algo sem ter que a questionar, como se apenas Maria soubesse qual seria a altura ideal para falar.
- Isabel, eu estou grávida.

domingo, 27 de julho de 2008

Mar sem fim - Capítulo I


      Era a terceira noite sem dormir. Ocupava o seu lugar na cama como se conhecesse de cor os limites que o separam daquele que é ocupado pelo seu homem, pelo seu marido, pelo seu mais que tudo. A sua ausência era necessária partira mar a dentro para trazer aquele que seria o sustento de ambos e em breve, também, do primeiro filho do casal.
      Manuel desconhecia o estado de graça da mulher, na verdade Maria só teria confirmado a boa nova no dia da partida da embarcação do marido. Quem confirmou a gravidez foi a vizinha Emília, trocava a leitura de cartas por bens alimentares que calassem a fome dos seus filhos. Eram doze rebentos de idades e progenitores masculinos variados. A Emília valia a crença da verdade das cartas, cuja leitura era um dom que poucos possuíam mas a que muitos recorriam.
      Maria levantava-se, por fim, vencida pela dor que sentia no peito. Já estava habituada às viagens do marido mas desta vez era diferente, o sexto sentido feminino atormentava-a. Só se acalmaria num sítio que bombeava na sua mente ao ritmo do coração, que na ausência de Manuel insistia em bater a um ritmo mais e mais acelerado.
      Já na velha Casa da Praia, Maria deixou escapar duas lágrimas, mais transparentes que brilhantes. Mal abriu a porta, que com o passar do tempo mais parecia uma simples folha derrubável perante o simples sopro da brisa de Verão, foi invadida por um oceano de recordações. Fechou os olhos e deixou-se embalar.
      Manuel e Maria conheceram-se no Verão quando eram ainda dois jovens. Maria com frescos dezasseis anos e Manuel com prematuros dezoito anos. Até que Manuel conseguisse conquistar Maria muito tempo passou. Apesar da pouca idade Maria já nessa altura não era adepta de contos de fada e conhecia o lado mais escuro da vida. O pai abandonara a sua mãe quando Maria era ainda muito pequena, mas tinha ainda na sua memória as noites que passara em claro ouvindo a sua mãe chorar compulsivamente. Desde logo jurou jamais confiar num homem.
      Por sua vez, Manuel não deixava escapar um bom desafio e estava decidido a transformar todos os medos de Maria em confiança e entrega.O culminar dessa luta teria chegado com a primeira visita à Casa da Praia, onde Maria teria cedido e aceite o pedido de namoro de Manuel.
A Casa da praia fora construída pelo próprio Manuel, que herdara de Francisco, seu pai, a agilidade da construção. Era aí que Manuel se refugiava quando o seu corpo e mente assim o exigiam, ainda hoje quando precisava de tomar grandes decisões ou para acalmar os pensamentos após uma discussão com Maria, era aí que se refugiava. Maria apesar de o saber nunca lá ia senão pela mão de Manuel, pois acreditava que fosse isso que ele esperava dela, o respeito pelo seu próprio espaço. No entanto, hoje, só ali poderia recorrer para sentir mais perto o seu marido e mais longe a saudade e os pressentimentos que a aterrorizavam.
      De regresso a casa Maria não resistira a bater à porta de Isabel, o seu marido Pedro tinha partido com Manuel.

sábado, 5 de julho de 2008

Heróis



O nosso melhor nem sempre é o suficiente. Há metas que simplesmente não conseguimos alcançar. Há momentos em que a palavra “ impossível” ganha volume e área. O mundo grita que não há impossíveis e somos declarados vencidos.
A verdade é que os verdadeiros heróis não cortam metas nem sobem ao pódio. A verdade é que os verdadeiros heróis não seguram taças, nem têm medalhas. A verdade é que os verdadeiros heróis não chegam à meta porque em direcção a ela socorrem alguém, ajudam alguém, dão a mão a alguém.
É mais fácil assumir o mérito de alguém que na verdade não o tem porque isso faz com que o homem se sinta bem consigo próprio, pois nele conseguirá ver o mesmo mérito que glorifica em outrém. Um mérito sem valor, vulgar e comum.
Os verdadeiros heróis não precisam de reconhecimento, precisam apenas da justiça e da verdade. Ser verdadeiro nem sempre é ser justo, mas ser justo será sempre ser verdadeiro.
Os heróis são heróis porque reconhecem a impossibilidade, reconhecem o fracasso, reconhecem a luta, reconhecem o valor do que não é valorizado, reconhecem as pequenas coisas.
Só as grandes pessoas vêem as pequenas coisas.
Não tenho medo de usar a palavra verdade e conheço muitos heróis. De todos os heróis que já passaram na minha vida tirei uma lição, de todos os heróis que tenho na minha vida aprendo mais uma verdade, de todos os heróis que um dia terei na minha vida aprenderei algo que ainda não conheço.
Hoje aprendi que não faz mal cair, não faz mal chorar e podemos assumir que caímos e que choramos com o mesmo orgulho com que dizemos que aguentamos e sorrimos. Porquê? Porque só os heróis caem, choram e continuam a ser heróis.