domingo, 27 de julho de 2008

Mar sem fim - Capítulo I


      Era a terceira noite sem dormir. Ocupava o seu lugar na cama como se conhecesse de cor os limites que o separam daquele que é ocupado pelo seu homem, pelo seu marido, pelo seu mais que tudo. A sua ausência era necessária partira mar a dentro para trazer aquele que seria o sustento de ambos e em breve, também, do primeiro filho do casal.
      Manuel desconhecia o estado de graça da mulher, na verdade Maria só teria confirmado a boa nova no dia da partida da embarcação do marido. Quem confirmou a gravidez foi a vizinha Emília, trocava a leitura de cartas por bens alimentares que calassem a fome dos seus filhos. Eram doze rebentos de idades e progenitores masculinos variados. A Emília valia a crença da verdade das cartas, cuja leitura era um dom que poucos possuíam mas a que muitos recorriam.
      Maria levantava-se, por fim, vencida pela dor que sentia no peito. Já estava habituada às viagens do marido mas desta vez era diferente, o sexto sentido feminino atormentava-a. Só se acalmaria num sítio que bombeava na sua mente ao ritmo do coração, que na ausência de Manuel insistia em bater a um ritmo mais e mais acelerado.
      Já na velha Casa da Praia, Maria deixou escapar duas lágrimas, mais transparentes que brilhantes. Mal abriu a porta, que com o passar do tempo mais parecia uma simples folha derrubável perante o simples sopro da brisa de Verão, foi invadida por um oceano de recordações. Fechou os olhos e deixou-se embalar.
      Manuel e Maria conheceram-se no Verão quando eram ainda dois jovens. Maria com frescos dezasseis anos e Manuel com prematuros dezoito anos. Até que Manuel conseguisse conquistar Maria muito tempo passou. Apesar da pouca idade Maria já nessa altura não era adepta de contos de fada e conhecia o lado mais escuro da vida. O pai abandonara a sua mãe quando Maria era ainda muito pequena, mas tinha ainda na sua memória as noites que passara em claro ouvindo a sua mãe chorar compulsivamente. Desde logo jurou jamais confiar num homem.
      Por sua vez, Manuel não deixava escapar um bom desafio e estava decidido a transformar todos os medos de Maria em confiança e entrega.O culminar dessa luta teria chegado com a primeira visita à Casa da Praia, onde Maria teria cedido e aceite o pedido de namoro de Manuel.
A Casa da praia fora construída pelo próprio Manuel, que herdara de Francisco, seu pai, a agilidade da construção. Era aí que Manuel se refugiava quando o seu corpo e mente assim o exigiam, ainda hoje quando precisava de tomar grandes decisões ou para acalmar os pensamentos após uma discussão com Maria, era aí que se refugiava. Maria apesar de o saber nunca lá ia senão pela mão de Manuel, pois acreditava que fosse isso que ele esperava dela, o respeito pelo seu próprio espaço. No entanto, hoje, só ali poderia recorrer para sentir mais perto o seu marido e mais longe a saudade e os pressentimentos que a aterrorizavam.
      De regresso a casa Maria não resistira a bater à porta de Isabel, o seu marido Pedro tinha partido com Manuel.

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