sábado, 23 de agosto de 2008

Retratos perdidos


O sol escondia-se cada vez mais e mais, desafiando a lua a ocupar o seu lugar, num céu que se escurecia a cada gole de Gonçalo. Não sabia o que bebia, quando chegara tinha pedido ao empregado que lhe trouxesse a bebia mais forte que ali houvesse.
Continuava a pensar nas palavras de Margarida, ainda sem acreditar no que se tinha passado. Mal ouvira falar em divórcio recusara-se a continuar a discussão, batera com a porta da casa de ambos com violência, sabia-o, mas não se arrependia, só se arrependia da forma irresponsável como conduzira, em seguida, até o café onde conhecera, há anos atrás, a mulher dos seus sonhos, cujo o coração conseguira conquistar e com quem tinha construído uma vida.
A vida de ambos nem sempre fora fácil, na verdade Gonçalo fazia tudo por Margarida, e na altura em que as economias andavam menos bem, teve que arranjar mais ocupações e duplicar as horas extras. Ela não compreendeu. Reclamava a falta de tempo de Gonçalo, reclamava a sua carência e no fundo a sua solidão.
Margarida era professora e depois de ter casado reduziu a sua actividade a algumas horas de explicações, para ter mais tempo livre para o casamento e para as suas responsabilidades de dona de casa, sobre as quais desde muito cedo a sua mãe lhe falara. Margarida vinha de uma família com muitas posses, ao contrário de Gonçalo, pelo que isso teria, também, contribuído para esta sua atitude mimada perante o esforço do seu marido, que queria garantir que Margarida continuasse a não ter que se esforçar muito para ter tudo o que quisesse.
Tinha terminado a bebida que pedira, no entanto, quando o empregado viu que Gonçalo rodava uma aliança nos seus dedos, trouxe mais uma com o mesmo teor alcoólico. Alto. As pedras de gelo estalavam no interior do copo. Seguindo o seu ritmo Gonçalo, soltou uma lágrima e outra. Sabia que Margarida tinha razões para reclamar o tempo que já não disponha para ela, mas daí a falar em divórcio era algo impensável. Para Gonçalo o divórcio era algo que nem fazia sentido falar-se, casara para toda a vida e sentia uma dor inconsolável que lhe dava a sensação de que o seu peito fosse explodir. Como poderia Margarida ter pensado em divórcio? Como poderia ela ter questionado se era para isso conseguir que ele tanto se esforçava? Como?
Gonçalo sentiu uma mão pousar no seu ombro, era inconfundível o cheiro que começava a sentir. Margarida. Sem pensar em mais nada pousou a sua mão sobre aquela mão. Ouvia agora os soluços de Margarida.
- Perdoa-me, meu amor, perdoa-me. – disse Margarida ao mesmo tempo que se sentava, junto de Gonçalo, sem largar a sua mão.
- Não digas mais nada, vamos esquecer tudo isto, querida – Consolou Gonçalo, que não suportava ver a sua mulher chorar.
- Não. Deixa-me terminar. Eu nem tenho palavras para justificar a minha atitude nem as minhas palavras. Perdoa-me, por favor. Recebi um telefonema da minha mãe, que como sempre me fez sentir uma inútil. Pensei o dia inteiro que merecias alguém melhor, alguém por quem tanto te esforças…e pensei que fazer-te odiar-me seria o melhor para ti. Voltei a borrar a roupa toda e a salgar demais o jantar. – Gonçalo não conseguiu suster uma gargalhada que despertou o olhar de todo o bar na direcção da sua mesa.
- Será melhor levarmos alguma coisa, então, a caminho de casa. – disse ternamente, fazendo Margarida corar e sorrir.
- Perdoa-me, és o melhor que alguma vez me aconteceu. És tudo o que tenho.
- Querida, eu não te pedi para seres dona de casa, eu pedi-te em casamento, lembras-te? Eu quero que sejas minha mulher. Eu sei que não te tenho dado o tempo que mereces…mas quando tudo melhorar será mais fácil, agora só te peço um pouco de paciência.
- Eu amo-te Gonçalo. Perdoa-me. - Segredou Margarida, ao abraça-lo.
- Eu também te amo querida. Está tudo bem.
Naquele dia, o Sol esperou para ver o culminar daquele amor, mesmo percebendo que a Lua não abrandava no seu trajecto e sabendo que seria inevitável o encontro de ambos. Deu-se o eclipse lunar. Deu-se um amor para o resto da vida.

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